sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Entrevista: Fernando Dolabela

A entrevista de hoje é com Fernando Dolabela, autor do livro "O segredo de Luisa".

1) Qual o seu nome completo, quantos anos você tem e onde você nasceu? Você poderia falar um pouco sobre sua formação?
Nasci e vivo em Belo Horizonte. 
Sobre a minha formação, O Colégio Estadual foi a melhor instituição de ensino que frequentei. Devo a ele o alicerce para os passos seguintes. Quando à escolha da profissão, fui um errante. Entrei em 3 cursos superiores da UFMG. O primeiro foi Ciências Sociais, onde cursei somente o primeiro ano. Saí porque quase todos os professores foram caçados pela revolução de 64. Fiz o vestibular de Direito, também na UFMG a pedido de um amigo que queria um companheiro para estudar.
Não conheço outra pessoa que tenha feito vestibular com tal intuito. Passei e me graduei na Faculdade de Direito da UFMG, mas passei longe da profissão. A minha terceira incursão em cursos superiores foi Economia, também na UFMG. Nessa época, tentava seriamente um profissão, temia não ter uma. No terceiro ano, decidi casar e para isso precisava trabalhar durante o dia e estudar à noite, período em que o curso de Economia não era oferecido. Eu me transferi para o curso de Administração de Empresas, que não me atraia. Mais importante era casar.  Formei, trabalhei na área durante bom tempo, mas jamais me encantei. Quando tenho que preencher a ficha de um hotel, sinto a caneta travar diante do campo profissão.

3) Você foi um bom aluno? Gostava de estudar? Como você aprende mais?
Nunca fui bom aluno. Adorava o colégio, que era dificílimo, mas não conseguia estudar. 
Notas péssimas. Tenho um sonho recorrente: nele já me graduei na universidade mas não consegui o diploma do colégio e por isso sou obrigado a voltar a frequentar as aulas do nível médio. Apesar de ser muito exigente o Estadual não era repressivo. Daí o fascínio: um excelente ensino sob uma atmosfera liberal.

4) Quando você descobriu essa sua veia de escritor e como isso aconteceu?
Eu tinha 15, 16 anos lia muito, principalmente Dostoievski. Eu queria ser Machado de Assis. Ser um escritor mediano não me interessava. Escrevia contos, ganhei um prêmio em dinheiro no concurso do jornal. Chamei os amigos e disse para o garçom: pago tudo até o valor do prêmio. Estava lá também o meu professor de português. Desde então alguns colegas me vêem como escritor. Mas durou pouco. Aos 17 anos eu tive uma paixão não correspondida e a veia rompeu-se. Não escrevi mais. 
A paixão foi a gota d’água, mas o que realmente provocou o derrame foi descobrir que eu nunca seria Machado de Assis.

5) De onde veio a ideia para escrever um livro - O Segredo de Luisa - que mescla romance com informações técnicas?
Empreendedorismo é emoção. Escrever sobre empreendedorismo é escrever sobre a vida. Saquei isso desde quando comecei a me interessar pela educação empreendedora. Queria criar textos didáticos que contavam histórias verossímeis.
Ora, o romance é uma linguagem mais apropriada para se narrar emoções e vida do que um texto técnico. O bom educador é um contador de histórias. Além disso sempre me revoltei com a aridez dos livros didáticos, a incapacidade de comunicação mascarada pelo jargão acadêmico, a ausência de emoção, a distância da vida, da realidade, como se esta fosse pecado. Sob muitos aspectos, a emoção, na academia, é mesmo pecado.
Eu pedia a empreendedores reais que narrassem a sua biografia em sala de aula. Não queria que falassem sobre a empresa, mas sobre a vida. E então confirmou-se o que os livros de administração temem mostrar: empreender é deixar-se apaixonar. A academia não se propõe lidar com emoções. Como o emprego no modelo industrialista, também na academia a excelência exige que a emoção seja banida.

6) Você acha que todos podem ser empreendedores? O livro "O Segredo de Luisa" ajuda as pessoas a transformarem uma ideia em realidade?
Sim, todos podem ser empreendedores. Em seu significado mais singelo, o empreendedor é aquele capaz de se auto-sustentar, ser independente na geração de valor econômico. Nesse sentido qualquer ser humano pode e deve ser empreendedor. O conceito, digamos, mais sofisticado de empreendedor diz que ele é o responsável pela inovação e, como tal, o dínamo da economia. A inovação desloca o “mercado” para patamares superiores. Algumas empresas sucumbem. É a destruição criativa. Mas é importante dizer que o empreendedor está em todas as atividades humanas, não somente na empresa. E que, certamente os valores mais importantes, os imateriais, são gerados pelos empreendedores que não estão nas empresas. Com isso quero dizer que podem ser empreendedores os poetas, os romancistas, artistas, funcionários públicos, todos. É uma forma de ser. E não somente de fazer. Nas minhas metodologias de ensino de empreendedorismo para crianças e adolescentes evito falar de empresa. A educação nunca pode induzir alguém a seguir uma profissão, muito menos abrir uma empresa. Essa será uma opção do aluno. Para isso criei uma definição de empreendedorismo com duas características: fácil entendimento, de tal forma que uma criança ou um individuo com baixa escolaridade possa entender, e larga abrangência, para acolher qualquer atividade humana. Eu digo que o empreendedor é alguém que sonha (o sonho acordado, a concepção de futuro) e tem a ousadia e energia para transformar o sonho em realidade. A ética também é fundamental. Penso que só pode ser considerado empreendedor aquele que oferece valor positivo para a coletividade, não somente para si mesmo.
O meu livro, O segredo de Luísa, narra uma parte da vida de uma estudante de odontologia que descobre que estava realizando os sonhos dos pais e resolver perseguir os seus. É simples e dirigido ao leitor completamente leigo, que nada sabe sobre mundo empresarial.
O livro permite que o leitor faça dois tipos de leitura. O romance, em letras normais e a parte técnica, em caixas com tipos diferente, que podem ou não ser lidas. Frases em negrito remetem a essas caixas. O leitor pode ou não lê-las, dependendo do seu interesse. É como se o leitor tivesse ao seu lado especialistas em marketing, finanças, gestão, etc. que vão lhe ensinando os temas técnicos, como acontece na vida real: de forma simples, direta e sem humilhar ninguém que não saiba o que é ponto de equilíbrio. O conhecimento está disponível no contexto e na linguagem do leitor. 

7) O Brasil é um país onde o empreendedorismo de necessidade é muito maior e mais frequente que o empreendedorismo de oportunidade. O que você acha desse cenário?
Atravessamos um bom momento macroeconômico, o que é maravilhoso. Mas o Brasil ainda não se preparou para receber os empreendedores emergentes. Todas as pesquisas indicam que, no Brasil, as condições para se criar uma empresa e torná-la sustentável são péssimas. Estamos na rabeira no cenário mundial. As micro e
pequenas empresas são essenciais a uma economia que deseja se diversificar e gerar empresas de alto impacto, com grande capacidade de inovação. A continuar essa situação, teremos sérias dificuldades em ser um país do primeiro time, impulsionado pela inovação. Pesquisas nos dizem também que o índice de inovação aqui é pífio o que pode nos condicionar a sermos fornecedores de commodities. Aqui é importante lembrar que não se chega ao patamar que chegamos sem competência para tal. Por exemplo, a nossa agricultura é pujante em virtude das tecnologias aqui desenvolvidas, principalmente pela Embrapa. A infra para a exportação de minérios funciona bem. Mas é claro que no lugar do minério deveríamos exportar aço.

8) O que lhe dá mais prazer no processo de empreender? O que o torna criativo? 
Eu sou ou procuro ser um meta-empreendedor. Ou seja, um empreendedor dedicado a preparar empreendedores. Aqui tenho que ter cuidado com as palavras. Não se pode dizer formar ou ensinar alguém a se empreendedor. Não é possível ensinar, mas é possível aprender a ser empreendedor.
Tenho fascínio pelo novo. Gosto de fazer o que ainda não foi feito, andar por novos caminhos. 

9) Você já tem vários livros publicados. Poderia falar um pouquinho deles?
Todos os meus livros foram escritos para servirem material didático de apoio às minhas propostas educacionais.
Em três deles utilizo a linguagem novela, mas nem por isso podem ser considerados literatura. São livros para os alunos de nível médio e universitário (O segredo de Luísa, classificado pelas editoras como long seller porque as suas vendas são elevadas e constantes. Mês passado, 10 anos depois do lançamento estava na lista dos mais vendidos da Veja. São cerca de 250 cópias circulando. O livro “A ponte mágica” é para um público infanto juvenil. No ano passado lancei um livro para os pais, “Quero construir a minha história”. Além
desses, que contam histórias, há outros no total de 11.
Isso de utilizar o romance para veicular conteúdos técnicos gera acontecimentos curiosos. Na Veja o livro “O segredo de Luísa” caiu na prateleira “Autoajuda e exoterismo”. A princípio tive sentimentos negativos, mas depois vi que o enquadramento em uma das 3 categorias da Veja é complicado: o livro não é “ficção” e não é “não ficção”. Sobrou “autoajuda e esoterismo”. O consolo é que essa é a área dos maiores bestsellers onde ganhar uma posição é mais difícil. Também na área acadêmica O segredo de Luísa é rechaçado. Dizem
alguns que o livro não é acadêmico e por isso não pode ser citado como referência. Nos padrões atuais, a avaliação é procedente. Entendo a dificuldade de um orientador de uma tese de mestrado ou doutorado na área de administração ou economia vai buscar referências teóricas em um romance. Lido muito bem com essa “rejeição”. O que faço, como disse, fere padrões existentes. Mas também aqui me sinto um precursor, e não tenho dúvidas de que mais cedo do que se espera, um romance poderá ser aceito como referência para trabalhos acadêmicos na área de business.

10) Você tem algum livro aguardando publicação?
Sim. Se tudo correr como planejado, o que é quase impossível, principalmente no mundo editorial, devo publicar três livros este ano. 
Um deles, pela Saraiva, “Sonhos e riscos” já está no prelo. Os outros devem estar prontos até o fim do ano.

11) Foi muito difícil para conseguir publicar o seu primeiro livro?
Não, tive sorte. À época, 1999 eu era consultor da CNI e lhes apresentei os originais. Eles se encarregaram de encaminhá-los à Editora Cultura, de São Paulo, que publicou os meus primeiros livros.

12) Qual sua dica para quem quer seguir a carreira de escritor?
Não me sinto em condições de oferecer dicas. Não sei se podemos falar em carreira nessa área. Não há pré-qualificação ou treinamento. Se for planejada não dará certo. Acontece quando o impulso é irrefreável. O encantamento com e pelas palavras e a vontade de comunicar algo movem o escritor. As pessoas escrevem, talvez, porque deixar de fazê-lo torna a vida menos saborosa, insuportável para alguns. Aos 17 anos tentei enterrar o sonho de ser escritor. Mas ele não se deixou matar e 33 anos depois cobrou a sua vida. 
Devo fazer uma confissão. Quando escrevi o O segredo de Luísa inconscientemente me protegi atrás de um álibi: não estava fazendo literatura. Foi isso que mitigou o meu medo de escrever.

13) Qual a sua dica para novos empreendedores?
Sonhem e tenham a coragem de transformar o seu sonho em realidade.

14) Na sua opinião, qual é a importância da literatura na vida das pessoas?
Tenho grande dificuldade de avançar em algumas leituras porque elas disparam reflexões que me remetem para outras dimensões, abrem um mundo de criatividade. Depois de algum tempo, quando volto dessa viagem, vejo que não sai da página.
Mas o resultado foi riquíssimo, maravilhoso: acendi em minha mente uma nova idéia, um outro entendimento, uma descoberta, um novo texto. Ora, é essa a dádiva da literatura. Nem todas as artes permitem tal co-autoria.

Agora algumas perguntinhas rapidinhas para o leitor te conhecer melhor: 
a) Um livro: Crime e castigo
b) Um(a) autor(a): Machado de Assis
c) Uma música: A felicidade, de Tom e Vinícius
d) Um(a) cantor(a)/banda: Caetano, Beatles
e) Um filme: Vidas secas
f) Um (a) ator/atriz: Paulo Autran
g) Uma pessoa: Lucas
h) Uma frase: Bravo!

Agradeço imensamente a entrevista e toda a atenção que você me deu. Gostaria de deixar algum recado final para os seus leitores?
Empreender é a maior aventura na nossa espécie. Não deixe de experimentá-la.
Fernando Dolabela

6 comentários:

  1. A.D.O.R.E.I.
    Foi um prazer conhecer esse autor.
    Já anotei como livros que faço muito gosto de ter aqui em casa.
    Um beijo ao entrevistado e a linda da Nanie. =)

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  2. Ei Nanie,

    Super entrevista, adorei. Não conhecia o autor e achei muito interessante o tema do livro. Dostoievski é muitooo bom, tbm amei Crime e Castigo.

    bjoo

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  3. Adorei a entrevista, Nanie :-)
    Esse livro parece ser muito bom, mas ainda não tive oportunidade de ler. Agora fiquei com mais vontade.

    Bjs

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  4. Não conhecia o autor, adorei foi um prazer ;)

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  5. Poxa, sonhar em ser Machado de Assis!

    ***

    Poetas geralmente só conseguem escrever bem quando estão com o coração partido...

    Ótima entrevista Nanie

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  6. + uma super entrevista Nannie!!
    Parabens!! hehe
    adorei conhecer mais um super autor..
    bjos

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