sexta-feira, 1 de abril de 2011

Ser um escritor é algo impossível

Contos da Nanie é uma coluna do blog Nanie's World! Sempre que a Nanie tiver contos novos, irá postá-los nessa coluna, que sairá às sextas-feiras!
Sua opinião é muito importante! Diga o que você achou das histórias, sua opinião é muito importante para mim!
A culpa dessa coluna existir no blog é da @vanbosso que insistiu muito para que eu postasse os meus contos!
Ser um escritor é algo impossível


Ser um escritor é algo impossível.
Esse era o mantra cantado pela mente de Ana diariamente. Ana era uma mulher de 35 anos, advogada bem sucedida, mãe de um filho de 10 anos e casada há 15 anos com Pedro. Ela era quase feliz.
Ana tinha um casamento feliz, mesmo depois de 15 anos com o mesmo homem, os dois ainda formavam um casal apaixonado. Ela tinha uma ótima relação com o filho - que era um aluno maravilhoso. Ganhava muito bem no seu trabalho como advogada - trabalhava na mesma empresa que o marido, tinha clientes muito importantes e ganhava a maior parte dos casos que defendia. Morava em uma casa maravilhosa e espaçosa em um bairro nobre. Tinha dinheiro suficiente para ter uma vida confortável, proporcionar ao filho tudo do bom e do melhor. Viajava pelo menos duas vezes ao ano, dentro do país e internacionalmente também. Gostava de festas e, ao menos uma vez por mês, costuma organizá-las em sua casa ou no clube que ficava ali perto para os muitos amigos que possuía. Não tinha vícios perigosos - não bebia, nem mesmo socialmente, não fumava, não se drogava. Sua saúde era excelente, assim como a do marido e do filho.
Então, o que fazia com que ela fosse quase feliz?
Era essa a questão. Ana não se sentia bem admitindo isso, mas a verdade é que apesar de todo o sucesso em sua vida, ela não era uma pessoa feliz. Toda a sua vida ela tinha sonhado em se tornar uma escritora de grande sucesso. Tudo o que ela queria era poder escrever todas aquelas histórias, que hoje repousavam trancadas e intocadas no arquivo da biblioteca, e publicá-las para que o público pudesse apreciá-las.
Ser um escritor é algo impossível.
Esse mantra era parte da vida diária de Ana. Ela gostava de escrever, gostava muito. E, no seu interior, pensava que levava jeito para a coisa. Mas a verdade é que seus textos eram escritos, impressos e depois ficavam enfiados nas gavetas do arquivo da biblioteca de sua casa. Nem mesmo para Pedro, seu marido, ela tinha coragem de mostrar o que escrevia. Não porque ele não gostaria, mas sim porque ela tinha medo de admitir que não vivia a vida que tinha sonhado.
Ser um escritor é algo impossível.
Não que Ana sempre tivesse pensado dessa maneira. Quando criança ela sonhava em poder escrever e fazer sucesso. Ela fazia muitos poemas e levava para a escola. A professora Kátia, que deu aula para ela quando tinha 10 anos, era a sua principal leitora. Ela não tinha tido outras aulas com a professora, mas sempre procurava-a no horário do intervalo para mostrar suas novas criações.
E assim, com o apoio da professora, Ana cultivava esse sonho - ser uma escritora de sucesso! Aos 16 anos, começou a escrever pequenos contos e aos 17 já tinha pronto o seu 1º livro: o romance proibido entre uma jovem de 14 anos e um homem casado de 28. Mas foi também nessa época que o mantra começou a se infiltrar na sua mente.
Ela não sabia como publicar o que escrevia, mas também pensava que não era o momento, ela sabia que ainda não estava pronta. Decidiu então que queria fazer Letras na faculdade, uma maneira de se aprimorar e de se tornar uma escritora madura - pronta para todo o sucesso que sempre havia sonhado.
Ser um escritor é algo impossível.
Foi então que a CONVERSA aconteceu. É claro que todos na sua família sabiam dos seus sonhos e de suas aspirações. Alguns textos já haviam sido lidos pela sua mãe e por algumas primas. Mas não pelo pai. Antonio era um homem muito sério e não gostava de ler. Nunca tinha entendido o gosto de Ana e não foi apenas uma vez que brigou com a filha por gastar dinheiro em livros. Entretanto, Ana nunca esperara por algo como a CONVERSA.
Foi numa tarde de chuva, enquanto Ana lia no sofá, apenas um mês antes das inscrições nas faculdades. Por mais que estivesse com o vestibular na porta, estudando como uma louca, Ana sempre conseguia um tempinho para ler - nem que fosse apenas meia hora por dia. E foi num desses momentos que o pai chegou para ter com ela a CONVERSA. A CONVERSA que mudaria toda a sua vida.
Ser um escritor é algo impossível.
O pai chamou-a para conversarem no escritório dele. Ana já sabia que não era apenas uma conversinha do dia a dia.  O escritório era o refúgio do pai e ela quase nunca entrava lá dentro.
Era um espaço repleto de seriedade. Havia uma estante com os processos do pai, uma estátua sisuda representando a deusa Iustitia - olhos vendados, uma balança de pratos na mão esquerda e uma espada apontado para baixo na mão direita. Uma mesa de madeira escura no centro da sala, com alguns papéis, um porta canetas e um telefone em cima. E duas cadeiras de executivo pretas, uma de cada lado da mesa. Esse era o escritório do pai de Ana. Havia ainda uma cortinha vermelha na janela, combinando com o tapete bordô no chão, mas isso havia sido ideia de sua mãe, ela sabia com certeza - tentando dar um ar um pouco mais aconchegante ao escritório.
Ela sentiu o clima antes mesmo do pai começar a falar.
Ser um escritor é algo impossível.
O que o pai queria falar é que ela não poderia jogar a sua vida fora. Não poderia desperdiçar todo o dinheiro e esforço empregados por ele, o grande advogado, para que ela tivesse a melhor educação. E se formar em Letras era um desperdício, ao menos na visão do pai. Esse foi o conteúdo da CONVERSA. Ele fez questão de dizer que se ela se formasse em Letras, iria ser uma mera professora pelo resto da vida, iria ganhar mal, viver estressada e ter uma vida infeliz. Ainda fez questão de frisar que ser escritor no Brasil era algo impossível, e que a menina podia abrir os olhos para a realidade. A CONVERSA foi terrível. O pai ainda disse que, claro, nunca iria obrigá-la a nada, que ela deveria seguir o caminho que desejasse, que queria apenas o seu bem.
Ser um escritor é algo impossível.
Mas depois da CONVERSA, Ana não poderia ser inscrever no curso de Letras. Não poderia. Não conseguiria. Não pôde. Não fez.
Ela chorou muito. Naquele dia nem conseguiu estudar, nem ler, nem fazer nada. Ela se trancou no quarto e chorou a tarde inteira e foi dormir às sete da noite. Passou um mês muito triste. E quando chegaram os dias para as inscrições no vestibular, ela se inscreveu em Direito. Sabia que o pai aprovaria essa escolha.
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A faculdade não tinha sido ruim. Ela tinha se formado como uma das melhores da turma, tinha conhecido seu futuro marido logo no 1º período da faculdade e tinha feito amizades para a vida inteira. E também não podia reclamar de tudo o que o trabalho como advogada lhe proporcionava.
Mas a verdade velada, que ela nunca havia conseguido contar nem mesmo ao marido ou a mais íntima de suas amigas, era que ela sempre quisera ser escritora e que esse sonho não havia morrido com a CONVERSA. Ela apenas tinha perdido a coragem. E o mantra
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não saía mais de sua cabeça. Não parava de tocar. Ela nunca tinha parado de escrever, embora não tivesse tanto tempo para se dedicar à arte da escrita. Afinal de contas, ela tinha sua profissão, seu marido, seu filho, sua casa, sua vida para cuidar. Mas ela escrevia. Escrevia à noite, nos finais de semana, sempre que encontrava um tempo. Ela tinha alguns contos, nunca contara para saber quantos, e sete livros finalizados em suas gavetas.
Eles estavam todos guardados, escondidos, envergonhados de sua existência. O primeiro livro - aquele que ela escreve quando tinha 17 anos estava lá também - amarelado, velho, com a tinta da caneta já sumindo em alguns pedaços da folha. Ela tinha digitado o livro depois de casada, a cópia impressa também estava na gaveta.
Ser um escritor é algo impossível.
E assim, com esse mantra arraigado em seu consciente, Ana terminou mais um conto. Outro filho de sua mente que nunca iria conhecer o mundo. Que nunca seria lido. Que nunca seria apreciado.
E foi nesse dia, enquanto dormia, que o sonho veio. No sonho, o mantra não existia, a conversa com seu pai nunca havia existido. Ela havia conhecido o homem que tanto amava em um bar perto da faculdade, e havia casado com ele do mesmo jeito. Tinha o mesmo filho, morava na mesma casa. Mas ela era uma escritora de sucesso. No sonho sua biblioteca tinha uma estante apenas com seus livros - cópias de todas as versões, em várias línguas. E aquele conto, o que ela acabara de criar e jogar na gaveta do esquecimento, iria ser publicado numa coletânea junto com autores internacionais de renome. Ela era um sucesso. Ela era feliz.
Ser um escritor é algo impossível.
Ela acordou assustada, com o coração pulsando incessantemente. O sonho tinha sido maravilhoso, mas assim que despertara o mantra havia reiniciado em sua cabeça. Entretanto, o sonho havia mais uma vez despertado a vontade de ver alguém lendo o que ela havia escrito. Ela tinha lido há duas semanas no jornal sobre um concurso literário.
Ser um escritor é algo impossível.
Ignorando o mantra que estava desde sempre em sua cabeça, Ana foi procurar saber mais sobre o concurso e descobriu que ainda tinha três dias para poder participar. Tomou coragem, retirou o último conto que havia escrito - o tema do concurso era livre, o que deixou Ana ainda mais feliz, porque sabia que aquele último conto é que tinha que ser publicado primeiro -, colocou num envelope de papel pardo. Colocou os endereços certinhos, e foi ao correio depositar o conto.
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Havia uma semana que ela havia enviado o conto para o concurso num impulso momentâneo. Ela nem ao menos tinha tomada banho ou comido algo. Ela simplesmente colocou uma roupa qualquer, pegou o conto e foi ao correio enviá-lo. Quando chegou em casa, encontrou filho e marido olhando inquisitivamente para ela, sem saber o motivo súbito de sua saída. Sorte que ela tinha passado na padaria na volta e trouxera pão de queijo - eles sabiam que ela adorava a iguaria mineira e sempre que possível ia na padaria perto de casa comprar alguns.
Quanta imprudência... ela nunca deveria ter mandado o conto. Já estava arrependida. É claro que ela não tinha chance alguma de ganhar e , o pior, todos os jurados do concurso deveriam estar rindo do seu conto. Ela sabia que
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, então porque tinha mandado aquele conto? Se sentia péssima por isso e deseja poder desfazer o envio do conto e sua participação no concurso. Mas não tinha mais jeito. Agora o mantra
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tocava na sua mente ainda mais alto e mais frequente. E ela perdia o sono até altas horas da madrugada por causa de sua imprudência e de seus impulsos... E assim, Ana passou um mês terrível, achando que não deveria ter participado do concurso, que não deveria ter enviado conto algum.
Mas após esse tempo, seu espírito apaziguou-se. O mantra continuava como sempre.
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Mas já estava normal, não sendo mais tão alto nem tão frequente. A vida continuava. Enviar aquele conto havia sido um erro, mas não poderia ser desfeito. Bastava ela contentar-se em saber que o que ela havia escrito teria sido motivo de escárnio para algumas pessoas desalmadas, mas iriam rir do que ela escrevera sem saber quanta paixão estava naquelas palavras.
Ela continuava sua vida no escritório e em casa. Voltou a sua rotina normal. Voltou a escrever depois de um mês - fez um poema curtinho que, como quase todos os seus irmãos, foi parar na gaveta do esquecimento. A rotina tinha sido recuperada e sua vida quase feliz estava de volta ao normal.
Ser um escritor é algo impossível.
Naquele dia ela tinha ido novamente à padaria comprar alguns pãezinhos de queijo para o café da manhã - e dessa vez sem segundas intenções. Foi quando ela viu. A carta em cima da mesa. Endereçada a ela, com o logo do concurso. Ana não queria abrir aquela carta.
Ser um escritor é algo impossível.
Era claro que estava escrito uma resposta automática do tipo "Agradecemos a sua participação, mas seu conto não foi escolhido dessa vez. Não desanime, outras oportunidades virão". Ela não precisava daquilo. Ela não queria ler aquilo.
Ser um escritor é algo impossível.
Mas o mantra não parava de tocar em sua cabeça. E ela sabia que tinha que ler para tirar de vez aquelas ideias de sua cabeça. Apesar de tudo, ela sabia que, no fundo, ainda tinha algum tipo de esperança.
E quando abriu ela viu não o que esperava. Ela viu uma carta agradecendo sua participação, não do jeito mecânico e impessoal que havia imaginado, mas uma carta enorme avaliando cada parte de seu conto. E lendo a carta, ela descobriu que as pessoas não haviam rido do conto, de forma alguma. Tinham gostado. E ao virar a carta, ela descobriu que tinham gostado tanto que ela tinha conseguido o 1º lugar - um prêmio de 300 reais. É claro que não era muito dinheiro. É claro que era apenas um conto - mas era o sonho dela. O sonho dela se tornando realidade. E o conto seria publicado, não com nomes internacionais de sucesso, mas com outros autores iniciantes que tinham participado do concurso junto com ela. Até o 18º lugar seria publicado. E o dela era o 1º. Ela não conseguia acreditar e começou a chorar, assustando marido e filho. Mas quando os dois viram o motivo ficaram muito felizes por Ana, sem saber o quanto aquilo era importante para ela.
O conto de Ana seria publicado - aquele conto. Aquele conto tão especial que contava parte de sua vida. Ela tinha escrito, pela primeira vez, a sua vida no papel. A sua história de como não tinha se tornado uma escritora.
Ah, que felicidade era saber que a história da sua vida começava a tomar um rumo diferente da história da protagonista do conto vencedor.
Ser um escritor é algo impossível.
Não é. E agora Ana sabia.

18 comentários:

  1. Que conto lindo Nanie!
    Ir em busca de um sonho, seja qual for, é um prazer imensurável.
    Adorei.
    Bjkas,
    Monique

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  2. MoniqueMar, que bom que gostou =) Esse sim tem um final feliz, né?! hehehe

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  3. Oi, Nanie.

    Amei este conto, ainda mais por ter um final feliz!

    Cada vez, você está escrevendo melhor e achei maravilhoso a lição que ele nos passa.

    Mesmo que não conseguimos realizar nossos sonhos, sonhar não faz mal e, melhor ainda, se persistirmos nesse sonho que um dia ele se concretiza!

    Beijos.

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  4. Carla Fernanda, brigada, querida! Acho que ir em busca de nossos sonhos é preciso!

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  5. 14 e 28 anos? Como Amor impossível, possível amor, de Pedro Bandeira...
    Meu pai também não gosta de ler, mas não é mau assim! '-'
    Quero fazer Letras. *-*
    Parabéns Nanie, me arrepiei aqui com o conto. Muito bem escrito!

    Beijos,
    Tarsila

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  6. Ser um escritor é algo perfeitamente possível!!! Amei o conto Nanie, esse é um dos meus preferidos!

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  7. Tarsila, não foi nem de propósito - não conheço esse texto =) hehehhe
    Esse pai é muito incisivo, mesmo querendo o bem da filha...
    Que bom que gostou do texto =D

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  8. Vanessa, é verdade! Gosta mesmo desse conto?! Não o acha infantil?!

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  9. Oi Nanie!
    Adorei esse conto. Todos temos sonhos, as vezes parecem impossíveis, mas não podemos desistir deles jamais.
    BJs

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  10. Hérida Ruyz, que delícia saber que gostou do conto ^^

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  11. É, finalmente um final feliz, né Nanie ;)
    Eu gostei do conto, mesmo tendo votado no outro pelo twitter :)
    E que você se torne uma grande escritora \o/

    Bjus.

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  12. anaisa, finalmente um final feliz, né?! haahhahaha E não fique triste, o outro conto deve aparecer por aqui na semana que vem!!! =D

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  13. Que conto mais lindo, adorei!
    Desculpa a demora de ler, mas sei que vc entende.
    Adorei ver o que vc desenvolveu tão delicadamente, parece que vc está falando de vc!
    beijos e parabéns!

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  14. Parabéns Nanie! O conto é maravilhoso...
    Bjos!!!
    Andréia
    Sentimento nos Livros

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  15. Nossa, mais um conto que eu estou lendo e tbm gostei bastante. Parabéns. Escrever assim é um dom ;)

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  16. A vida e um sonho,as vezes depende de nos tornalos realidade. Pelo menos devemos lutar para que aconteça.Adiar as vezes e preciso,desistir jamais.
    Que seus objetivos(sonhos) sejam alcançados.
    Amo voce.

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  17. Nossa, que lindo. Realmente somos cheios de sonhos. Tbm acredito q ser escritor seja algo perfeitamente possível, mas temos que acreditar antes de tudo!!

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  18. Humm, muito bom esse conto. É bom ver que nossos sonhos não são impossíveis. Foi bom acompanhar a trajetória da Ana e ver seu final feliz com o conto publicado =)

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