sexta-feira, 8 de abril de 2011

Criatura

Contos da Nanie é uma coluna do blog Nanie's World! Sempre que a Nanie tiver contos novos, irá postá-los nessa coluna, que sairá às sextas-feiras!
Sua opinião é muito importante! Diga o que você achou das histórias, sua opinião é muito importante para mim!
A culpa dessa coluna existir no blog é da @vanbosso que insistiu muito para que eu postasse os meus contos!
Criatura


Há muito tempo atrás eu fui uma pessoa normal. Eu já tive pai, mãe, uma namorada e até mesmo uma vida decente. Faz muito tempo. Tanto tempo que já não lembro mais dos detalhes. Só da Evelyn. Dela eu me lembro, muito bem. Sonho com ela todas as noites. Ela era linda, olhos castanhos, cabelos negros que caíam pelas suas costas até a cintura. O rosto rosado, como uma bonequinha de porcelana, sempre de vestido, com um maravilhoso sorriso no rosto.
Isso já faz mais de 200 anos, na época em que fui rico, um advogado proeminente, recém-vindo da Europa. Eu tinha apenas 26 anos quando tudo aconteceu.
Não foi de repente. Os sinais surgiram aos poucos, mas ninguém poderia imaginar o que realmente estava acontecendo. Eles pensaram que eu tinha lepra. E ter lepra naquela época era a morte, o fim. Eu já estava morto na cabeça dos meus familiares quando os primeiros sinais de deterioração do meu corpo começaram a aparecer. Meu pai fez de tudo por mim, mas nem mesmo nos países europeus havia tratamento eficaz para tal moléstia.
As semanas se passavam e eu só piorava. Logo que descobri que tinha a doença, chorei como uma mulherzinha. Chorei porque perderia Evelyn. Eu sabia que não poderia continuar com o noivado, não poderia prender aquela mulher maravilhosa, cheia de vida a um homem como eu - fadado ao fim.
Terminar com ela foi terrível. A parte mais dolorosa foi ver como ela ficava olhando para as minhas mãos (onde os machucados estavam visíveis) com nojo. Eu percebia que ela tentava disfarçar, mas o desprezo estava estampado em sua face. E meu coração se despedaçava a cada palavra e a cada olhar. Ela parecia aliviada de se ver livre de mim, absolvida do fardo de tomar conta de um homem sem futuro. Ela não queria me ver, a princípio. Já havia a desconfiança de qual doença eu tinha, mas como ainda não havia sido confirmado, eu ainda vivia como uma pessoa normal.
E, então, eu recebi o diagnóstico. A partir desse momento, eu já não era mais ninguém. Eu não podia sair de casa, não podia ter contato com meus amigos, nem mesmo com minha família. Quando o médico deu o parecer de lepra, eu fui isolado na casa da fazenda. Apenas um empregado tomava conta de mim, mas não ficávamos no mesmo ambiente. Meu pai, que sempre havia sido presente na minha vida, o melhor amigo que já tive, também havia desaparecido. Ele visitava a fazenda uma vez por semana, mas não tinha coragem de ir para o mesmo cômodo em que eu estava. Conversávamos aos gritos - ele na cozinha e eu na sala.
A situação era difícil demais de aguentar, eu já não tinha grandes esperanças, nem sonho algum. Queria que a morte chegasse rapidamente. Mas não foi o que aconteceu.
Acha que a morte é o pior que pode acontecer a você? Pois eu garanto que não é. Meu corpo começou a se modificar. Os dedos corroídos pela doença, os pés e as orelhas foram os primeiros sinais. Eu ousei acreditar que estava me curando, que a doença estava, milagrosamente, sendo combatida pelo meu corpo. Dia a dia, eu via a reconstituição de parte dos membros que já haviam sido completamente desfigurados pela minha condição. Mas não esperava pelo que aconteceu.
Eles não se reconstituíram, não como eu esperava. Os dedos continuaram crescendo, e não com a forma de um dedo, mas como garras. Não exatamente uma garra como possamos imaginar, a princípio. Mas dedos longos, com mais de vinte centímetros, longilíneos e com uma unha medonha na ponta. E não foram apenas os meus cinco dedos, outros três nasceram em cada mão para completar a figura bizarra que eu seria.
Os meus pés viraram duas bolas, gigantes bolas de dedos embolados. Para andar, essa esfera, que era meu pé, tinha uma pequena planificação na parte inferior. Mas não o suficiente para que eu andasse. Eu tinha que usar meus longos dedos para me apoiar no chão e conseguir andar. E aos poucos eu fui mudando ainda mais. Eu não conseguia enxergar minha cabeça (não havia espelhos na casa em que eu estava confinado), mas podia sentir que a minha orelha havia se fundido com a minha cabeça, dando um formato elíptico e disforme a ela. Apenas dois pequenos furos podiam ser sentidos pelas minhas mãos.
Minhas pernas pareciam ter se alongado e eu andava curvado, mas não me sentia incomodado na posição depois de algumas semanas. De alguma maneira meu corpo havia se adaptado ao andar que eu era obrigado a fazer. Eu estava assustado, tudo isso ocorreu no prazo de um ano apenas. Era um monstro, um monstro completo.
A única coisa que consegui fazer foi fugir de casa. Eu não poderia ficar perto das pessoas que eu gostava. E se eu me transformasse completamente em uma fera? Eu não saberia o que fazer.
Hoje eu já estou mais crescido, no tamanho também, afinal de contas se eu ficar em pé atinjo mais de dois metros e meio, mas me refiro a minha personalidade e a aceitação de quem (ou o quê) eu sou. Alguns anos depois da minha fuga eu consegui olhar em um espelho, ver a boca redonda com lábios muito carnudos e dentes afiados e enfileirados em duas linhas, os olhos retangulares, com o dobro do tamanho normal de um olho, que ficam acima de dois orifícios, que fazem o trabalho que meu nariz fazia. Eu não sei com o que me pareço. Nunca vi nada tão feio, nem tão baixo quanto eu.
Eu quase morri de inanição. Comia frutas para apaziguar minha fome, mas não me sentia saciado. Demorou algum tempo, e quase custou minha vida, para que eu descobrisse que precisava de carne, crua e com sangue ainda quente.
Por isso digo que sou baixo. Sou horrível. Já vivi mais de 200 anos matando criaturas de todos os tipos. Tento evitar os humanos, da melhor maneira que posso. Mas a verdade é que no meu segundo ano de vida eu descobri, de maneira um tanto trágica, que apenas a carne e o sangue humanos eram capazes de restaurar todo o meu vigor. Dessa forma, pelo menos duas vezes ao ano eu preciso de um humano.
Para me manter vivo e nas trevas, longe do conhecimento dos seres humanos, que, se me encontrassem, me matariam por certo, eu sou um nômade. Não passo mais do que um mês na mesma cidade. Estou sempre em andando e já viajei o mundo inteiro.
Ainda não encontrei outros iguais a mim, nem sei o que me levou a virar essa coisa. Uma das questões que mais me incomodam é o meu tempo de vida. Eu tenho 200 anos, mas não sinto que envelheci. Sinto-me mais inteligente, mais sagaz, mas não mais velho. Mas me sinto sozinho, muito sozinho.
Há cerca de dez anos venho fazendo experiências com minhas vítimas. Tem que existir uma maneira de fazer com que elas fiquem como eu. E a dois meses foi meu grande dia. Encontrei Evelyn. Não a minha Evelyn, realmente, mas é tão parecida, tão doce, que serviu perfeitamente. Eu a peguei enquanto ela voltava da escola, tarde da noite. Passei mais de um mês observando-a, me apaixonando por aquela nova Evelyn. Eu não poderia machucá-la. Eu a queria ao meu lado, perfeita e saudável. Precisava alguém para dividir essa vida comigo.
Eu não fiz com ela o mesmo que fiz com os outros. Já tentei várias coisas. Comer apenas um pedaço (o que exigiu um grande controle de minha parte), beber apenas o sangue, entre outras experiências mal sucedidas. Dessa vez eu fiz algo diferente. Bebi metade do sangue da garota e fiz com que ela bebesse metade do meu sangue. Já consigo enxergar a chegada da doença. Eu estou mantendo-a sedada há dois meses. Vejo a mudança começando a acontecer. Com base no que me lembro de minha vida humana, ainda terei que esperar dois anos para a transformação completa.
Mas eu já vivi muito tempo, dois anos não é nada comparado a ter minha Evelyn de volta. Ela vai adorar fazer parte do meu mundo e poderemos viver felizes por muitos séculos ainda.

13 comentários:

  1. Nossa amiga, que conto é esse?
    Visualizei tudo que vc descreve no texto, tive até pena do monstro, mas ele é cruel, sentir asco por si mesmo e mesmo assim criar um ser igual, onde vc tava com a cabeça?! kkk
    Muito bom, vc se superou, posso dizer que gostei, muito mesmo!
    Me surpreendeu!
    Beijos!

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  2. Aff, esse conto é muito doido!! Coitada da Evelyn... será que eles vão ter monstrinhos?? Hahahahahaha

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  3. ahhh qe horror!! tadinha da Evelyn.... adorei o conto NAnie! !Parabens!
    Imaginei uma especie de zumbi, et e morcego sauhhashuhuash
    bj

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  4. Nanie,
    FIquei pensando se era algo como Vampiro, mas talvez seja mais bizarro. Um monstro com definições, depois pensei que era alguém envelhecendo.
    Gostei muito de seu conto.
    Fiquei amedrontada,ha, ha, ha ( parecia que eu podia sentir ele chegando- Arrepio) mas gostei!!!

    Bjs
    Renata
    www.tecergirassois.blogspot.com

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  5. Caraca! Muito bom o conto, li rapidinho! Muito interessante e bizarro. Gosto de contos assim, parabéns! Sempre lerei seus contos agora. Beijus!

    Laerte Lopes - Blog Medo

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  6. Nanie,
    Parabéns pelo conto, continue postando pois achei o texto muito bom.

    Beijos
    Blog: Apaixonada por Romances

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  7. Eu tive pena dele no começo, mas com esse fim eu fiquei um pouco indignada!
    Como ele faz isso?! Que triste o destino dessa Evelyn...

    Nanie, faz só contos de fadas, pls *-*
    COM FINAIS FELIZES :P

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  8. Ualll ainda estou arrepiada.
    Que conto de horror Nanie...
    Muito malvado essa criatura... rsrs

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  9. Acho que esse foi um dos contos mais imprecionantes que já li...sem brincadeira, adorei!!!
    Dá para ter continuação?...rsrsrs...
    Bjos!!!
    Andréia
    Sentimento nos Livros

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  10. Caracas Nanie, não sabia que vc escrevia contos tão bons! É o primeiro que estou lendo , mas vou procurar outros agora mesmo!!

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  11. Oi Nanie, que imaginação voce tem.Meio macabra, mas muito legal. adorei,voce vai longe.
    Parabéns.beijos.

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  12. Nossa, vc é muito criativa alem de escrever super bem. A gente consegue imaginar tudo que vc escreve. Muito bom esse!!!

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  13. Cara, que massa esse conto. Muto legal essa coisa da fantasia que vc criou. Mas uma vez digo q tu escreves muito bem!!

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